domingo, 17 de junho de 2018

Por que Repetimos Tantos Erros na Vida?


Uma das formas de sofrimento psíquico muito relatado pelas pessoas consiste na repetição de inúmeros comportamentos, dos quais elas gostariam de se desamarrar. Ao contrário, elas continuam produzindo os mesmos filmes que se repetem em novos formatos, elaborando os mesmos discursos desgastados para justificar as suas velhas falhas, envolvendo-se em iguais ou semelhantes relações que jamais darão certo, talvez em nome de uma suposta zona de conforto que se coloca alheia ao arriscado e doloroso caminho da mudança. Entretanto, a resposta que costumeiramente se ouve dessas pessoas é um angustiante: “não sei por que”!

Estamos falando de um não saber que atravessa a vida de quase todos os sujeitos, ainda que a maior parte dessas pessoas construa e mantenha formas de vida bastante funcionais e desembaraçadas, no tocante às suas profissões, famílias, laços sociais e realizações pessoais de outro cunho. Não estão isentos de serem levados por discretos atos que se repetem, mas, geralmente não se queixam de maneira veemente e também não são alertados pelos outros, justamente por se tratar de aspectos muito particulares, cuja natureza é discreta e não alardeante.

O outro grupo de pessoas consiste na menor parte desse espectro humano, mas, refere-se ao grupo dos queixosos e também dos que estão na posição de reiteradas queixas alheias. Não estão contentes com os próprios resultados e lamentam em saber que poderiam ter evitado aquele desfecho, assim como tendem a continuar lamentando por tantos outros tropeços nas mesmas pedras. Geralmente são demitidos pelos mesmos motivos e também nessa linha, desfazem sociedades importantes; se divorciam alegando as mesmas incompreensões e traições do cônjuge, todavia, voltam a se relacionar com alguém que acumula as mesmas características. Argumentam sempre para o dedo podre.

Se as suas histórias de vida fossem comparadas a peças de teatro, séries, filmes ou novelas, poderia se pensar até na mudança de muitos personagens e cenários como alteração de contextos, suficientes para novos atos, mas não é essa sensação que se verifica no final das contas. Percebe-se, inclusive pela própria pessoa, que as histórias são permeadas pelo mesmo roteiro ou enredo, causando a impressão de que nada mudou. Essas reedições mal construídas estão vinculadas à um importante aspecto da natureza humana e que operam em nosso psiquismo de maneira totalmente inconsciente, influenciando nossos desejos, escolhas, comportamento e pensamento. Estamos falando da pulsão.

Descrita no final do século XIX pelo fundador da Psicanálise, Sigmund Freud, essa força que impulsiona nossos atos está presente em nosso psiquismo, antes mesmo da constituição do nosso próprio Eu e da nossa consciência. A pulsão se diferencia do instinto pela multiplicidade de seus efeitos, no sentido de que enquanto os animais são guiados por instintos para reproduzirem comportamentos padronizados em cada espécie, os humanos não possuem um alvo específico, de modo a agirem segundo os seus próprios desejos. Em 1920, Freud escreve um texto intitulado: Além do Princípio de Prazer, no qual aparece, portanto, a noção de compulsão a repetição e a pulsão de morte.

Esse conceito que atravessa a obra de Freud, como uma força que tende a buscar momentos de satisfação anteriores ou fases anteriores de equilíbrio absoluto, determinará mais sofrimento nas pessoas que não desenvolverem uma personalidade munida de recursos psicológicos para lidar com impulsos primitivos. É pelas faltas e desencontros marcados na infância que alguns constituem a própria subjetividade de maneira fragilizada e vulnerável a desequilíbrios, buscando maneiras de não pensar na própria angustia. A compulsão a repetir o mesmo padrão de comportamento encobre sintomas e reflete uma maneira de não atravessar essa mesma angustia, assim como acontece na grande maioria das compulsões, pois surgem da mesma origem.

É justamente pelas mesmas razões que temos sonhos que se repetem no decorrer da vida, sem que saibamos os motivos, pois, o inconsciente gerador de tais repetições não respeita o nosso tempo cronológico, percebido na realidade. O inconsciente está alocado e se manifesta em pontos que um dia não foram devidamente costurados, e dos quais não lembramos. Segundo Freud, a psicanálise, por meio de seu método terapêutico, propicia que possamos recordar e repetir as nossas questões através da linguagem e num contexto psicanalítico até que cheguemos ao ponto de elaborar ou recosturar o que está em aberto no inconsciente. O ato analítico possibilita que retomemos a nossa história na origem, para reeditá-la e abrir a possibilidade para novos roteiros.

domingo, 3 de junho de 2018

Os alicerces da subjetividade



E se nós comparássemos o nosso mundo interior e a nossa personalidade com um grandioso e complexo edifício? Apesar de parecer uma analogia sem cabimento, reflete as diversas formas de sustentações que operam, tanto no concreto, quanto no simbólico, bem como ressalta alguns erros que se estabelecem no processo de construção, tornando-se parte integrante do alicerce, embora gere inseguranças e grandes demandas de vistorias e inspeções.
As falhas de um edifício podem estar associadas, tanto às fases de planejamento dos arquitetos e engenheiros, quanto a execução da obra, comprometendo funções importantes para o bom funcionamento como um todo. Em meio a um problema no sistema elétrico aqui e outro no sistema hidráulico ali, assim como restrições orçamentárias, a construção se mantém de pé a medida que pequenos reparos paliativos vão sendo realizados. No entanto, tentar retirar emendas sem que a troca de um sistema inteiro seja feita de maneira segura, pode levar o edifício ao chão.
O edifício também pode estar simbolizado na construção do psiquismo humano, desde o planejamento ou a falta dele, em que um casal concebe um bebê, passando da constituição biológica para a consolidação psicossocial, até a aquisição da consciência e do sistema de percepção do mundo que se estabelece nas relações humanas. A primeira infância é crucial para o estabelecimento da personalidade, mas, está sujeita  a sofrer algumas rupturas, fissuras, trincas e deteriorações que não são devidamente reparadas, de modo que o indivíduo utiliza mecanismos para continuar funcionando, mesmo que não aprenda a lidar com a dor da frustração ou desamparo. Outros andares acabam sendo construídos.
Sendo assim, pode ocorrer o aparecimento de determinadas inibições ou sintomas na vida adulta, cujo teor esteja relacionado a traumas e impulsos reprimidos desde a mais tenra infância. A grande questão está no fato de que esses sintomas podem estar agindo como emendas ou suportes mal elaborados na vida do sujeito, entretanto, sendo a única forma efetiva de garantir um psiquismo protegido de uma desorganização irreversível. Isso é evidenciado em pessoas que já não suportam viver sem seus vícios, pois estes encobrem uma forte tendência em cair numa depressão severa. É no álcool que o alcoolista mantém o seu edifício sobre as estruturas.
Também se verifica a existência de gambiarras em pessoas compulsivas, autoritárias, masoquistas, promíscuas e delirantes, como alternativas para lidar com a possibilidade do enlouquecimento e do fracasso. Embora esses exemplos possam ilustrar uma ínfima parte da enorme lista de transtornos mentais e angustias que estão por trás de comportamentos excêntricos, são significativos para o sujeito que construiu sua personalidade com poucos recursos psicológicos sofisticados. São pessoas que encobrem lembranças dolorosas, escolhem sempre o mesmo perfil de relacionamento que deu errado em sua vida ou se mantêm em maçantes rotinas garantidoras da zona de conforto.
As compulsões alimentares representam um grande exemplo de encobrimento de conflitos, muitas vezes inconscientes, ao fabricarem um grande volume de gordura corporal de forma injustificada. Longe de afirmar que toda forma de obesidade esconde uma dor, é necessário frisar que algumas delas tem em seu bojo essa problemática, levando-se em conta os diversos estudos de caso em que obesos, após cirurgia bariátrica, deprimiram ou desenvolveram transtornos de ansiedade até voltar a sua condição original. Alguns adquiriram dependência de substâncias, de maneira a não ceder a ameaça de desmoronamento emocional.
Mas antes que alguns concluam que o suicídio, como representante da demolição dessa obra seja a única saída para a extinção desses sintomas, vale salientar que a elaboração de cada ponto que subsiste sob as estruturas, está ao alcance de quem se dispõe a enfrentar árduo trabalho de análise através de uma terapia de qualidade. Assim como uma manutenção preventiva ou corretiva de construções concretas, o processo de ressignificação dos nossos lutos e angustias exige coragem e um mínimo de motivação subjetiva para desenvolver verdadeiras mudanças estruturais. Atravessar a dor será sempre inevitável para que um edifício subjetivo inteiro não venha ao chão!

Por que Repetimos Tantos Erros na Vida?

Uma das formas de sofrimento psíquico muito relatado pelas pessoas consiste na repetição de inúmeros comportamentos, dos quais elas gost...