sábado, 26 de maio de 2018

A vez e a voz do deprimido



Todos conhecem alguém que rouba a cena por ser carismático, engraçado, sorridente e dono de um senso de humor que cativa todas as pessoas que estão em volta, seja na escola, no trabalho ou na vizinhança. Essas pessoas nos põem a pensar em como é possível ser constantemente feliz, apesar de existirem tantos problemas que desorganizam nossa vida e nossa mente, de maneira que abre-se uma brecha para que nos comparemos com os ditos “portadores da felicidade”, e considerarmos a existência humana, um fenômeno desigual nesse aspecto.
Por outro lado, somos severos e implacáveis críticos do sujeito mau humorado, que habita todos os ambientes por onde passamos, assim como também estão presentes nos personagens de filmes, séries, novelas e romances clássicos. Esses sujeitos, por vezes, são irritadiços, impacientes, intolerantes com certos erros alheios e não são muito dados a sorrisos e simpatias, haja vista que estão mergulhados em seus trabalhos intensos e não dispõem de tempo para atividades triviais. Em relação a esses, a maioria das pessoas se opõem, e com apenas um olhar, já intui e confessa para um amigo: “meu santo não bateu”.
Entende-se que, de fato, o tipo “engraçado” pode ter a personalidade claramente diferente do tipo “mau humorado” desde que ambos apresentem esses comportamentos em todos os contextos da vida e por um longo tempo. O que é discutível é a ideia de felicidade suscitada aqui, implicitamente, pois percebemos diversos comportamentos humanos e alocamos dentro do quadro A ou do quadro B, no que se refere a maneira como esses sujeitos percebem o mundo e concebem a ideia de bem estar ou felicidade. Será que o outro se sente bem ou feliz apenas quando nos apresentam um comportamento compatível com a nossa ideia de felicidade?
Voltemos ao tipo “engraçado”. Este não está isento de ser uma pessoa triste e cheia de sofrimentos emocionais, apesar de manter uma postura de expansividade e alegria. Num belo dia, esse sujeito, aparentemente feliz, comete suicídio e todos comentam, aterrorizados, que foi uma surpresa trágica. Isso demonstra o despreparo de muitas pessoas em perceber com mais profundidade a subjetividade das pessoas que sofrem no mais descontraído silêncio, assim como também não estão preparadas para lidar com formas de sofrimento que atingem uma dimensão grave e estrondosa, como é o caso da Depressão com sintomas corporais e mentais bem definidos.
Esse transtorno mental que até 2020 será o mais incapacitante, segundo a Organização Mundial de Saúde, acomete todas as formas de personalidade, desde os mais descontraídos até os mais tímidos, embaralhando a forma como vemos a doença e dificultando o diagnóstico. Afinal de contas, muitos depressivos ainda estão trabalhando e produzindo, aliás, usando a vida ativa como mecanismo de defesa, enquanto outros estão prostrados numa cama, com medo de sair de casa e mergulhado num imenso vazio. Frases como: “você precisa ter mais força de vontade” ou “você não tem motivos para estar assim”, ditas por pessoas próximas, não ajudam e pode gerar consequências piores para o quadro depressivo daquele sujeito.
Encarar o sofrimento psicológico dos que tem depressão como algo incapacitante, ainda é difícil para a maioria das pessoas que acreditam na dualidade mente-corpo, e que somente o corpo fica doente. Isso não é verdade! É preciso entender que existe tratamento para essa forma de sofrimento psíquico, uma vez que o sujeito já não é capaz de se restabelecer sozinho, assim como, também é preciso entender que, assim como julga-se muito mal a felicidade das pessoas pelo comportamento que elas apresentam, igualmente julga-se mal os que sofrem com depressão.
Apesar de ser a tristeza, o primeiro aspecto que aparece nos quadros de depressão, muitas vezes ela se encontra mascarada em outros comportamentos. Portanto, o deprimido não é o alegre nem o triste, tampouco é o tímido ou o extrovertido; antes é o que observa a vida sem significado e vive por viver, buscando as mais variadas formas de lidar com a própria existência. Muitas vezes, a dor que acompanha o sujeito não é suficientemente forte para derrubá-lo numa vala psiquiátrica, mas sustentam uma represa que pode arrebentar diante das mais imprevisíveis circunstâncias. Ao primeiro olhar, escute-o!

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