Uma das formas de sofrimento psíquico muito relatado pelas pessoas consiste na repetição de inúmeros comportamentos, dos quais elas gostariam de se desamarrar. Ao contrário, elas continuam produzindo os mesmos filmes que se repetem em novos formatos, elaborando os mesmos discursos desgastados para justificar as suas velhas falhas, envolvendo-se em iguais ou semelhantes relações que jamais darão certo, talvez em nome de uma suposta zona de conforto que se coloca alheia ao arriscado e doloroso caminho da mudança. Entretanto, a resposta que costumeiramente se ouve dessas pessoas é um angustiante: “não sei por que”!
Estamos falando de um não saber que atravessa a vida de quase todos os sujeitos, ainda que a maior parte dessas pessoas construa e mantenha formas de vida bastante funcionais e desembaraçadas, no tocante às suas profissões, famílias, laços sociais e realizações pessoais de outro cunho. Não estão isentos de serem levados por discretos atos que se repetem, mas, geralmente não se queixam de maneira veemente e também não são alertados pelos outros, justamente por se tratar de aspectos muito particulares, cuja natureza é discreta e não alardeante.
O outro grupo de pessoas consiste na menor parte desse espectro humano, mas, refere-se ao grupo dos queixosos e também dos que estão na posição de reiteradas queixas alheias. Não estão contentes com os próprios resultados e lamentam em saber que poderiam ter evitado aquele desfecho, assim como tendem a continuar lamentando por tantos outros tropeços nas mesmas pedras. Geralmente são demitidos pelos mesmos motivos e também nessa linha, desfazem sociedades importantes; se divorciam alegando as mesmas incompreensões e traições do cônjuge, todavia, voltam a se relacionar com alguém que acumula as mesmas características. Argumentam sempre para o dedo podre.
Se as suas histórias de vida fossem comparadas a peças de teatro, séries, filmes ou novelas, poderia se pensar até na mudança de muitos personagens e cenários como alteração de contextos, suficientes para novos atos, mas não é essa sensação que se verifica no final das contas. Percebe-se, inclusive pela própria pessoa, que as histórias são permeadas pelo mesmo roteiro ou enredo, causando a impressão de que nada mudou. Essas reedições mal construídas estão vinculadas à um importante aspecto da natureza humana e que operam em nosso psiquismo de maneira totalmente inconsciente, influenciando nossos desejos, escolhas, comportamento e pensamento. Estamos falando da pulsão.
Descrita no final do século XIX pelo fundador da Psicanálise, Sigmund Freud, essa força que impulsiona nossos atos está presente em nosso psiquismo, antes mesmo da constituição do nosso próprio Eu e da nossa consciência. A pulsão se diferencia do instinto pela multiplicidade de seus efeitos, no sentido de que enquanto os animais são guiados por instintos para reproduzirem comportamentos padronizados em cada espécie, os humanos não possuem um alvo específico, de modo a agirem segundo os seus próprios desejos. Em 1920, Freud escreve um texto intitulado: Além do Princípio de Prazer, no qual aparece, portanto, a noção de compulsão a repetição e a pulsão de morte.
Esse conceito que atravessa a obra de Freud, como uma força que tende a buscar momentos de satisfação anteriores ou fases anteriores de equilíbrio absoluto, determinará mais sofrimento nas pessoas que não desenvolverem uma personalidade munida de recursos psicológicos para lidar com impulsos primitivos. É pelas faltas e desencontros marcados na infância que alguns constituem a própria subjetividade de maneira fragilizada e vulnerável a desequilíbrios, buscando maneiras de não pensar na própria angustia. A compulsão a repetir o mesmo padrão de comportamento encobre sintomas e reflete uma maneira de não atravessar essa mesma angustia, assim como acontece na grande maioria das compulsões, pois surgem da mesma origem.
É justamente pelas mesmas razões que temos sonhos que se repetem no decorrer da vida, sem que saibamos os motivos, pois, o inconsciente gerador de tais repetições não respeita o nosso tempo cronológico, percebido na realidade. O inconsciente está alocado e se manifesta em pontos que um dia não foram devidamente costurados, e dos quais não lembramos. Segundo Freud, a psicanálise, por meio de seu método terapêutico, propicia que possamos recordar e repetir as nossas questões através da linguagem e num contexto psicanalítico até que cheguemos ao ponto de elaborar ou recosturar o que está em aberto no inconsciente. O ato analítico possibilita que retomemos a nossa história na origem, para reeditá-la e abrir a possibilidade para novos roteiros.