domingo, 3 de junho de 2018

Os alicerces da subjetividade



E se nós comparássemos o nosso mundo interior e a nossa personalidade com um grandioso e complexo edifício? Apesar de parecer uma analogia sem cabimento, reflete as diversas formas de sustentações que operam, tanto no concreto, quanto no simbólico, bem como ressalta alguns erros que se estabelecem no processo de construção, tornando-se parte integrante do alicerce, embora gere inseguranças e grandes demandas de vistorias e inspeções.
As falhas de um edifício podem estar associadas, tanto às fases de planejamento dos arquitetos e engenheiros, quanto a execução da obra, comprometendo funções importantes para o bom funcionamento como um todo. Em meio a um problema no sistema elétrico aqui e outro no sistema hidráulico ali, assim como restrições orçamentárias, a construção se mantém de pé a medida que pequenos reparos paliativos vão sendo realizados. No entanto, tentar retirar emendas sem que a troca de um sistema inteiro seja feita de maneira segura, pode levar o edifício ao chão.
O edifício também pode estar simbolizado na construção do psiquismo humano, desde o planejamento ou a falta dele, em que um casal concebe um bebê, passando da constituição biológica para a consolidação psicossocial, até a aquisição da consciência e do sistema de percepção do mundo que se estabelece nas relações humanas. A primeira infância é crucial para o estabelecimento da personalidade, mas, está sujeita  a sofrer algumas rupturas, fissuras, trincas e deteriorações que não são devidamente reparadas, de modo que o indivíduo utiliza mecanismos para continuar funcionando, mesmo que não aprenda a lidar com a dor da frustração ou desamparo. Outros andares acabam sendo construídos.
Sendo assim, pode ocorrer o aparecimento de determinadas inibições ou sintomas na vida adulta, cujo teor esteja relacionado a traumas e impulsos reprimidos desde a mais tenra infância. A grande questão está no fato de que esses sintomas podem estar agindo como emendas ou suportes mal elaborados na vida do sujeito, entretanto, sendo a única forma efetiva de garantir um psiquismo protegido de uma desorganização irreversível. Isso é evidenciado em pessoas que já não suportam viver sem seus vícios, pois estes encobrem uma forte tendência em cair numa depressão severa. É no álcool que o alcoolista mantém o seu edifício sobre as estruturas.
Também se verifica a existência de gambiarras em pessoas compulsivas, autoritárias, masoquistas, promíscuas e delirantes, como alternativas para lidar com a possibilidade do enlouquecimento e do fracasso. Embora esses exemplos possam ilustrar uma ínfima parte da enorme lista de transtornos mentais e angustias que estão por trás de comportamentos excêntricos, são significativos para o sujeito que construiu sua personalidade com poucos recursos psicológicos sofisticados. São pessoas que encobrem lembranças dolorosas, escolhem sempre o mesmo perfil de relacionamento que deu errado em sua vida ou se mantêm em maçantes rotinas garantidoras da zona de conforto.
As compulsões alimentares representam um grande exemplo de encobrimento de conflitos, muitas vezes inconscientes, ao fabricarem um grande volume de gordura corporal de forma injustificada. Longe de afirmar que toda forma de obesidade esconde uma dor, é necessário frisar que algumas delas tem em seu bojo essa problemática, levando-se em conta os diversos estudos de caso em que obesos, após cirurgia bariátrica, deprimiram ou desenvolveram transtornos de ansiedade até voltar a sua condição original. Alguns adquiriram dependência de substâncias, de maneira a não ceder a ameaça de desmoronamento emocional.
Mas antes que alguns concluam que o suicídio, como representante da demolição dessa obra seja a única saída para a extinção desses sintomas, vale salientar que a elaboração de cada ponto que subsiste sob as estruturas, está ao alcance de quem se dispõe a enfrentar árduo trabalho de análise através de uma terapia de qualidade. Assim como uma manutenção preventiva ou corretiva de construções concretas, o processo de ressignificação dos nossos lutos e angustias exige coragem e um mínimo de motivação subjetiva para desenvolver verdadeiras mudanças estruturais. Atravessar a dor será sempre inevitável para que um edifício subjetivo inteiro não venha ao chão!

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