domingo, 13 de maio de 2018

A mãe necessária



Para ela, você é uma pessoa que estuda, trabalha, se casa, constitui família e cria filhos, sem que com isso, você deixe de ser alguém carente de afago e de afeto, desprovido de recursos para tomar certas decisões sem a consultar e ligeiramente desajeitado para fazer certas escolhas sem que ela lhe diga: cuidado! Para você, ela faz parte de uma geração que não lhe compreende, de maneira que não lhe deu razão em muitos momentos em que você se percebeu correto; lhe cerceou a liberdade por razões injustificáveis; usou de punições desproporcionais em momentos que você precisava muito mais de compreensão e atenção, mas suas qualidades e méritos superam tudo, diria você. No entanto, vocês dois compartilham da opinião de que foi importante ter havido uma imposição aos estudos, às vacinas, aos remédios amargos e às verduras que tanto você dizia odiar.
Talvez, alguns ainda odeiem as verduras, mas, o que de fato interessa nesse enredo, nem sempre harmonioso, é que você e sua mãe já não compreendem e nem controlam a maneira pela qual o psiquismo de ambos se encarrega de uni-los por um laço extremamente forte, ainda que as distâncias físicas e os variados problemas do cotidiano se façam presentes. O primeiro contato entre a mãe e o bebê, já possui, em si, o germe de uma construção psicológica importante, no que se refere às tensões e medos que o pequeno indivíduo possui em relação ao mundo. Afinal de contas, a dor de respirar pelos próprios pulmões, acompanhada por uma terrível luz que arranha suas retinas; os ruídos recém descobertos que lhe incomoda os tímpanos; uma atmosfera que discorda tremendamente da temperatura do útero em que vivia e a fome que o açoita, não oferece outra saída, senão chorar copiosamente. Aparece nessa cena, o primeiro sofrimento, seguido do primeiro colo, onde se ganha o aconchego e para onde o sujeito recorrerá por anos a fio. Primeiro desafio superado.
Em contrapartida, a mãe já experimenta sentimentos fortes desde que se percebe grávida, dada as inseguranças e incertezas que essa condição lhe apresenta, mas isso se mistura com felicidade em grande parte dos casos. As transformações estéticas e fisiológicas a deixam propensa a humores, por vezes, deprimidos, embora isso ainda seja pouco, haja visto que o parto se encarrega de lhe impor uma das dores mais indescritíveis que se pode sentir. Qualquer que seja a forma do parto, sua recuperação será lenta, mas ela estará te alimentando, e não é de se surpreender que apareça um sorriso no rosto em todos esses momentos. Seria então padecer no paraíso?
Totalmente diferente do reino animal, nós, os humanos, não nascemos com nenhum grau de independência, de modo que continuamos sendo gestados ao lado de fora por muito tempo, uma vez que a infância demanda cuidados especiais, em razão de uma lenta e complexa maturação. A proximidade dos pais é de extrema importância nesses primeiros anos, mas a função materna vai além, pois é com a mãe que fazemos a primeira aliança e é com ela que fixamos os primeiros laços de confiança, tão importante para aprendizagem que se dá pela nossa introdução na linguagem. Quem nunca ouviu a expressão “língua materna” ? Ela permite que os nossos primeiros registros simbólicos nos dê a consciência de quem somos nós, servindo como base para uma estruturação saudável da nossa personalidade.
Mas, ao se falar de nascimento, é preciso destacar que sempre ocorre o nascimento de, no mínimo, duas pessoas num parto humano, visto que todos os desejos dessa genitora, se voltam para seu filho e, portanto, nasce também uma mãe. Além disso, nasce uma relação de afeto mútuo que definirá os contornos do desenvolvimento emocional de ambos, ainda que essa mulher tenha muitos filhos. Cada experiência é singular! No mais, não há nenhuma dúvidas de que, em meio a defeitos e qualidades, alguém sai ganhando mais nessa relação, enquanto o outro renuncia seu próprio tempo e, por vezes, ao seu próprio espaço, seja por instinto maternal ou, em bom português, simplesmente amor. Ela não é necessariamente perfeita, como em suas fantasias infantis, mas é necessária; não é tão boa nem tão ruim, antes é mulher, que sente, deseja, teme, chora, se arrepende e, portanto, comete falhas como todas as pessoas. Esta é a sua mãe!

Por Leonardo Queiroz
Psicólogo CRP: 03/16854

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