Para ela, você é uma
pessoa que estuda, trabalha, se casa, constitui família e cria filhos, sem que
com isso, você deixe de ser alguém carente de afago e de afeto, desprovido de
recursos para tomar certas decisões sem a consultar e ligeiramente desajeitado
para fazer certas escolhas sem que ela lhe diga: cuidado! Para você, ela faz
parte de uma geração que não lhe compreende, de maneira que não lhe deu razão
em muitos momentos em que você se percebeu correto; lhe cerceou a liberdade por
razões injustificáveis; usou de punições desproporcionais em momentos que você precisava
muito mais de compreensão e atenção, mas suas qualidades e méritos superam tudo,
diria você. No entanto, vocês dois compartilham da opinião de que foi
importante ter havido uma imposição aos estudos, às vacinas, aos remédios
amargos e às verduras que tanto você dizia odiar.
Talvez, alguns ainda odeiem
as verduras, mas, o que de fato interessa nesse enredo, nem sempre harmonioso, é
que você e sua mãe já não compreendem e nem controlam a maneira pela qual o
psiquismo de ambos se encarrega de uni-los por um laço extremamente forte,
ainda que as distâncias físicas e os variados problemas do cotidiano se façam
presentes. O primeiro contato entre a mãe e o bebê, já possui, em si, o germe
de uma construção psicológica importante, no que se refere às tensões e medos que
o pequeno indivíduo possui em relação ao mundo. Afinal de contas, a dor de
respirar pelos próprios pulmões, acompanhada por uma terrível luz que arranha
suas retinas; os ruídos recém descobertos que lhe incomoda os tímpanos; uma
atmosfera que discorda tremendamente da temperatura do útero em que vivia e a
fome que o açoita, não oferece outra saída, senão chorar copiosamente. Aparece nessa
cena, o primeiro sofrimento, seguido do primeiro colo, onde se ganha o
aconchego e para onde o sujeito recorrerá por anos a fio. Primeiro desafio
superado.
Em contrapartida, a mãe já
experimenta sentimentos fortes desde que se percebe grávida, dada as
inseguranças e incertezas que essa condição lhe apresenta, mas isso se mistura
com felicidade em grande parte dos casos. As transformações estéticas e
fisiológicas a deixam propensa a humores, por vezes, deprimidos, embora isso
ainda seja pouco, haja visto que o parto se encarrega de lhe impor uma das
dores mais indescritíveis que se pode sentir. Qualquer que seja a forma do
parto, sua recuperação será lenta, mas ela estará te alimentando, e não é de se
surpreender que apareça um sorriso no rosto em todos esses momentos. Seria
então padecer no paraíso?
Totalmente diferente do
reino animal, nós, os humanos, não nascemos com nenhum grau de independência,
de modo que continuamos sendo gestados ao lado de fora por muito tempo, uma vez
que a infância demanda cuidados especiais, em razão de uma lenta e complexa
maturação. A proximidade dos pais é de extrema importância nesses primeiros
anos, mas a função materna vai além, pois é com a mãe que fazemos a primeira
aliança e é com ela que fixamos os primeiros laços de confiança, tão importante
para aprendizagem que se dá pela nossa introdução na linguagem. Quem nunca
ouviu a expressão “língua materna” ? Ela permite que os nossos primeiros
registros simbólicos nos dê a consciência de quem somos nós, servindo como base
para uma estruturação saudável da nossa personalidade.
Mas, ao se falar de
nascimento, é preciso destacar que sempre ocorre o nascimento de, no mínimo,
duas pessoas num parto humano, visto que todos os desejos dessa genitora, se
voltam para seu filho e, portanto, nasce também uma mãe. Além disso, nasce uma
relação de afeto mútuo que definirá os contornos do desenvolvimento emocional
de ambos, ainda que essa mulher tenha muitos filhos. Cada experiência é
singular! No mais, não há nenhuma dúvidas de que, em meio a defeitos e
qualidades, alguém sai ganhando mais nessa relação, enquanto o outro renuncia
seu próprio tempo e, por vezes, ao seu próprio espaço, seja por instinto
maternal ou, em bom português, simplesmente amor. Ela não é necessariamente
perfeita, como em suas fantasias infantis, mas é necessária; não é tão boa nem
tão ruim, antes é mulher, que sente, deseja, teme, chora, se arrepende e,
portanto, comete falhas como todas as pessoas. Esta é a sua mãe!
Por Leonardo Queiroz
Psicólogo CRP: 03/16854
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